terça-feira, 19 de abril de 2011

VAMOS OUVIR OS SONS DA ÁFRICA?

A cada dia que passa aumenta o número de brasileiros e brasileiras que reconhecem se orgulham da importância fundamental das diversas culturas africanas na nossa formação cultural. Obviamente, não poderia ser diferente, já que as pesquisas históricas mostram que pode ter sido de cerca de 4 milhões o número de africanos que entraram no Brasil, vindos das mais diferentes regiões da África, pelas mãos do tráfico de escravos, desde 1500 até a sua proibição definitiva, em 1850.
No entanto, apesar de identificarmos a imensa quantidade de traços culturais africanos na nossa cultura, na fala, na música e nas danças, na culinária, no vestir, na própria maneira de ser, a verdade é que sabemos muito pouco da África, seja da África antiga, seja da África atual, o que acaba nos fazendo generalizar (em geral, negativamente), de forma absolutamente irreal e fantasiosa, o que seja esse continente que, afinal, nós mesmos reconhecemos como parte fundamental das nossas origens. Em geral, só conseguimos pensar sobre a África quando o assunto é a escravidão – e aí transformamos todos os africanos em um povo só, homogêneo (o que é um grande erro), que veio para o Brasil como escravo – ou quando o assunto é a África atual – quando, então, pensamos na África como “um povo” pobre e sofrido, que padece de fome, miséria e lutas intertribais sem fim.
Como este texto não é uma aula de História, nem de Geografia, nem de Sociologia e nem Antropologia, não vou usar este espaço para desconstruir esses preconceitos nem para detalhar informações sobre a África (embora recomende fortemente que quem me lê busque esse tipo de informação sempre que necessário para não cair no risco de reproduzir por aí essas desinformações). Mas me parece importante dizer algumas coisas. A primeira delas é que a África é o segundo continente em população da Terra (ficando atrás apenas da Ásia), com cerca de 900 milhões de pessoas. A segunda é que existem na África 53 países independentes e, infelizmente, ainda diversas colônias pertencentes a países de outros continentes, tais como as Ilhas Canárias e os enclaves de Ceuta e Melilla, que pertencem à Espanha, o território ultramarino das ilhas de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, que pertence ao Reino Unido, e as ilhas de Reunião e Mayotte, que pertencem à França.
Nesse imenso mosaico de etnias, idiomas, regimes políticos, níveis de desenvolvimento e de culturas que aprendemos a chamar de África, meio sem saber direito o que é, um dos elementos mais marcantes é, sem dúvida, sua diversidade musical – que é o que mais interessa nesta coluna. Diversidade que, assim como os demais aspectos já apontados, é praticamente uma ilustre desconhecida para a maioria de nós brasileiros. Eu mesmo, que fui criança na década de 1960 e adolescente nos anos 70, só me lembro de dois artistas africanos na minha formação musical: a sul-africana Miriam Makeba, em 1967, cantando Pata pata – que a molecada da minha época conhecia como “Tá com pulga na cueca” – e o camaronês Manu Dibango cantando e tocando sax em Soul Makossa – que a minha turma de adolescentes chamava de “Pau na coxa” –, isso lá no já distante 1972.
Não me lembro ao certo quando foi que ouvi novamente falar em música africana. Imagino que a primeira vez, depois dos dois casos absolutamente episódicos da Miriam Makeba e do Manu Dibango, foi quando a extinta TV Manchete levou ao ar, em 1989, a série de cinco programas denominada African Pop, produzida por Hermano Vianna. Participaram da série, entre outros, Manu Dibango, Mory Kanté, Baaba Maal, Franco, Papa Wemba, Tabu Ley, Mahmoud Ahmed, Cheb Khaled, Johnny Clegg, Olodum, Ebenezer Obey e vários outros grandes da música pop africana, agora já veteranos, que, infelizmente, continuam absolutamente desconhecidos para a maioria das pessoas do lado de cá do Atlântico, o que é uma grande pena. Como na época eu não tinha um gravador de videocassete (outra coisa antigona...), a série African Pop acabou ficando apenas na memória e acabou quase desaparecendo.
Algum tempo mais tarde, já na década de 90, alguém na faculdade me falou de um tal de Fela Kuti (que só muito tempo depois descobri ser um artista e ativista político nigeriano, morto em 1997). Mas acho que meu interesse pela música da África cresceu mesmo foi quando, pelas mãos de uma ex-namorada (sempre elas...), tomei contato com o senegalês Youssou N’Dour, que gravou, com a sueca Neneh Cherry, em 1994, a maravilhosa 7 seconds. Mais ou menos na mesma época, Wolfgang König, um DJ amigo meu alemão (ainda vou falar muito dele aqui) me mandou de Berlim uma fita cassete (coisa antiga, né?) com o LP (outra coisa antiga...) Amen (1991), do malinês Salif Keita (o mesmo que ficaria consagrado na canção À primeira vista, do Chico César, de 1995).

De lá pra cá, me viciei e não consigo largar o vício. Vício que me fez sofrer muito, com várias crises de abstinência. No começo só mesmo meu amigo Wolfgang era capaz de me tirar da crise, mandando lá da Alemanha remessas do produto. Felizmente, a globalização e o avanço tecnológico acabaram propiciando outro fornecedor – a internet – e agora minhas crises são coisa do passado. Pelas teias da grande rede nunca fico sem música africana e graças a isso hoje em dia, embora não me considere curado dessa doença, pelo menos posso mantê-la sob controle. Foi assim que conheci nomes como Mayra Andrade e Tcheka (de Cabo Verde), Lira (África do Sul), Keziah Jones (Nigéria), Lokua Kanza (Rep. Dem. do Congo), Régis Gizavo (Madagascar), só pra ficar nos que fazem o que poderíamos chamar de “pop africano” e na chamada África Subsaariana. Mas há muito mais gente boa que precisa ser conhecida, como o genial trumpetista e cantor Hugh Masekela, da África do Sul, da mais pura tradição do jazz; o argelino Khaled, que faz uma mistura muito interessante da música tradicional islâmica com o pop mais internacional; ou ainda os cantores e cantoras que por alguma razão familiar, econômica ou política, não nasceram na África, mas são genuinamente africanos, como a portuguesa Sara Tavares, a francesa Soha e os alemães Patrice e Ayo. Outra coisa: há muito tempo artistas brasileiros e africanos têm se comunicado, infelizmente, com muito mais resultados positivos para a África do que para o Brasil. Se voltar um pouco mais no tempo, você vai encontrar, por exemplo, o saudoso acordeonista Sivuca com Miriam Makeba, e também uma banda formada por brasileiros como o incrível percussionista Airto Moreira, sua mulher, a cantora Flora Purim, o guitarrista José Neto e vários instrumentistas sul-africanos. Mais recentemente, vai encontrar Djavan cantando com Lokua Kanza; Marisa Monte com a caboverdeana Cesária Évora; Mayra Andrade com Mariana Aydar; Lenine com Régis Gizavo, só pra lembrar alguns. A propósito, no CD Nós Somos Nós, de 2009, produzido por Zeca Baleiro, o cantor e compositor angolano Filipe Mukenga tem como convidados o próprio Zeca Baleiro, Martinho da Vila e Ivan Lins. Vale a pena conferir. A Escala Virtual toca todos eles. Fique atento.

2 comentários:

  1. Maravilha, Moby!
    Acrescente aí, Richard Bona (multinstrumentista genial), grande baixista. Vale conferir: http://www.youtube.com/watch?v=iimMKWF7SK0&feature=player_embedded
    Abs.

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  2. Moby, bom demais teus posts, obdo. Quanto ao som da África peço licença para lembrar o sucesso do LP "Missa Luba" com um coral africano (ñ lembro o nome nem a origem)que gravouy uma missa toda cantada no seu idioma com instrumemtos típicos. Luba? de onde é isso? Vc sabe?
    Abçs

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